sábado, 23 de abril de 2011

Disposição cansou

Minhas chaves andavam enferrujadas. Eu tinha que forçá-las para que a porta do meu apartamento abrisse. Era pequeno. Só havia um quarto, um banheiro e a cozinha. Não havia sala, nem nada. Preferia desse jeito. 
Sentei-me na varanda, um cheiro de peixe cru subia até o segundo andar e chegava até mim. Não era bom morar perto de bares. Digo, eu podia descer lá e beber quando quisesse, mas o cheiro me incomodava. Eu tinha que dormir com tudo fechado e isso fazia meu quarto virar um forno. Eu acordava todo suado.
Esses dias eu andava triste. Sei disso por que minha geladeira passou a ter mais garrafas de bebida do que comida, isso não era bom. Nunca gostei de bebida, nem de drogas. Sabia que isso era ruim pra mim, que eu podia morrer. Mas quem vai pagar o preço sou eu e talvez, elas fossem tudo o que tinha agora.
Meu emprego era uma droga, eu ganhava pouco e trabalhava muito. Já fazia um ano que não tinha notícias de meus pais, nem de ninguém.
Pensava em largar tudo e ir viajar, conhecer o mundo. Mas eram só pensamentos.
Queria sair. Arrumar alguém pra amar... No fundo, queria só ter alguém na cabeça, pra chorar de saudade e morrer de paixão. Poder dividir a cama e a vida. Era algo tentador pra mim.
Nunca fui homem de querer muitas mulheres. Queria uma só. Que fosse só minha. Só minha.
Alguém que me inspirasse poesias... Mas eram só pensamentos.
Hoje acordei cedo e fui tomar banho. Minhas roupas estavam molhadas de suor. A água era fria. 
No espelho, minha face era cansada. Não queria sair de casa, ver as pessoas, cumprimentá-las. Depois dos meus três anos morando sozinho, tinha aprendido que as pessoas são só um bando de urubus. Elas são simpáticas e estão sempre sorrindo, mas por trás estão apenas querendo que você morra para que possam se alimentar da sua carne. Pra falar a verdade, pouco me importava com isso. Mas era algo que me importunava de vez em quando. 
Troquei-me para o trabalho, tomei um café e saí. No caminho, as pessoas sorriam. Falsas.
Cheguei no trabalho e fiz o que tinha que fazer. Quando saí já era tarde, sempre era tarde. O sol já estava se pondo, eu estava cansado.
Fui pra casa. O elevador era velho e tudo rangia, sentia que podia cair a qualquer momento. 
Parou. Segundo andar.
Dei boa noite para a senhora do quarto andar e pulei elevador afora. Estava escuro. Procurei o caminho para a minha porta. Ela era azul, mas a cor estava desbotada e a madeira roída. Peguei minhas chaves, elas andavam bem enferrujadas. Forcei e entrei, minhas garrafas esperavam por mim.

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